Viúva e filha de Antônio Callado palestram na Flim

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Viúva e filha de Antônio Callado palestram na Flim

Participação da família do homenageado foi um dos destaques do evento

Um dos momentos mais aguardados da 2ª edição da Festa Literária de Maricá foi realizado na tarde desta terça-feira (30/09) com a participação da família do escritor, jornalista e teatrólogo Antônio Carlos Callado, homenageado do evento. A viúva Ana Arruda Callado e a filha Tessy Callado palestraram, por quase uma hora de duração, sobre o tema “As Guerras de Antônio Callado”.

Jornalista, escritora e professora, Ana foi a primeira mulher a chefiar, em 1966, a redação de um jornal no Brasil, o Diário Carioca. Com 26 anos de convivência ao lado de Antônio Callado, ela fez questão de deixar claro que seria impossível contar a história e vida de seu esposo em apenas uma palestra. “É uma obra muito vasta. Seriam necessários mais de 200 encontros para falar sobre ele, por isso tive que escolher um dos importantes aspectos da sua trajetória”, destacou. Além do que, a jornalista preferiu enfocar um lado de Callado que muitos não conheciam. "Ele era visto como um cara quieto, elegante, quase um lorde inglês, mas não era só isso. Ele era um lutador, contestador e ficava simplesmente uma fera com as injustiças que via. Por isso, considero importante falar sobre alguns movimentos pelos quais ele passou”, destacou, acrescentando que o enfoque da palestra seria em três guerras: a 2ª Guerra Mundial, a Guerra do Vietnã e a ditadura militar.  

Segundo Ana, Callado era totalmente contra o nazifacismo e por isso se candidatou em 1941 a trabalhar como repórter na BBC de Londres para participar mais ativamente da 2ª Guerra Mundial. “Era um contrato de seis meses, mas ele ficou por mais de seis anos. Lá, ele se sentia bem porque a Inglaterra estava mobilizada contra a doutrina de Hitler. E isso não estava muito claro aqui no Brasil que, no governo de Getúlio Vargas, ora tendia a apoiar os nazistas, ora os aliados”, considerou a jornalista, que dentre seus livros, destacam-se as biografias de mulheres, como Dona Maria José, sobre Maria José Barboza Lima (1995); Jenny, amazona, valquíria e vitória-régia, sobre a escritora Jenny Pimentel de Borba (1996); Adalgisa Nery (2004); Maria Martins, uma biografia (2004) e Darcy, a outra face de Vargas, sobre Darcy Vargas.

A ditadura militar foi o momento em que Callado realmente entrou em guerra. “Callado e mais sete intelectuais, conhecidos como ‘Oito da Glória’, dentre eles Glauber Rocha, participaram de uma manifestação no Hotel Glória em 1965, durante o governo de Castello Branco, com faixas ‘Abaixo a Ditadura’ e ‘Viva a Liberdade’. Eles acabaram presos e sem nenhum acesso a qualquer tipo de livro. Tinham que ficar incomunicáveis com o mundo aqui fora”, relembra. A viúva também pontuou a participação de Callado como redator do Jornal do Brasil, em 1968, na Guerra do Vietnã. “Ele fez diversas reportagens. E o que intrigava era achar o Vietnã similar ao Brasil, com meninos vendendo frutas nas ruas. Ele nunca parou de escrever, cobrar, denunciar e protestar. Esse foi o guerreiro por quem me apaixonei e por quem sou apaixonada até hoje”, ressaltou.

Outro ponto abordado pela escritora foi a vivência do casal em Maricá, numa casa em Cordeirinho. “Aqui passei junto com ele os anos mais felizes de minha vida. Maricá está guardada na minha memória e no meu afeto”, lembrou.

Tessy Callado, uma das filhas do primeiro casamento do escritor com a inglesa Jean Maxine Watson, também esteve presente no evento. Além de jornalista e escritora brasileira, ela é atriz de cinema, teatro e televisão, diretora de teatro e televisão. Ela lembrou da paixão de seu pai pelo trabalho e pela vida. “Ele não parava de trabalhar nunca. Escrevia o tempo todo”. Tessy também destacou a participação de seu pai no Bogotaço, em 1948, durante a Conferência Internacional Americana, na Colômbia. “Durante esse encontro, houve a morte de um líder liberal, Jorge Eliécer Gaitán, que gerou uma guerra violenta, considerava por muitos, a semente das guerrilhas que acontecem no país até hoje. Ele esteve presente nesse episódio e fez artigos belíssimos mostrando sua indignação”, acrescentou Tessy.

Público presente 

A professora do Colégio Estadual Elisiário Matta e ativista há mais de 30 anos do movimento negro, Márcia Passos, adorou o encontro que a fez lembrar-se da época em que seu irmão fez parte do Grêmio Estudantil do Colégio Pedro II. “Durante o regime militar, diversos livros e artigos de Callado foram proibidos. Considero um absurdo deter o acesso à informação. É antes de tudo um ato de extrema perversidade. Imagino o que Callado sentiu”.

Também presente ao encontro, o produtor cultural Wava de Carvalho considerou o encontro muito proveitoso por mostrar de forma muito elucidativa parte da vida do escritor, dito por ele como um guerreiro de várias causas. “Além de todas essas já explanadas aqui, Callado teve importante participação no fortalecimento da cultura negra, com as obras "A Revolta da Cachaça", "O tesouro de Chica da Silva", "Pedro Mico" e "Uma rede para Iemanjá", que tematizam problemas profundos da sociedade brasileira, marcada pelo estigma da escravidão e do preconceito, da discriminação e da marginalização do negro, no passado e no presente”, conclui o produtor.