Um dos mais relevantes patrimônios históricos da cidade, a Casa de Cultura, na Praça Orlando de Barros Pimentel, teve o seu processo de restauração, iniciado em 2015, concluído esta semana. Tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), a construção colonial tem 180 anos e já foi cadeia pública, sede da Prefeitura e da Câmara Municipal. 

O processo de restauração foi feito a partir do estudo do restaurador Alexandre Shiachticas, que acompanhou cada passo do trabalho e buscou a substituição de elementos do prédio por materiais originais na construção, o que aumentou o grau de dificuldade mas trouxe um resultado que respeitou o papel e o testemunho histórico que o imóvel, de dois pavimentos, representa.

“Só existem quatro prédios com essas características no Brasil e um desses é em Maricá. É todo construído com pedra, saibro e argamassa à base de óleo de baleia”, descreveu.

Por toda parte, a casa tem elementos que destacam o alto nível de detalhe exigido pela restauração. “O telhado lá de fora é todo feito com telhas de barro moldadas na coxa, essas vieram da Bahia, presas com grampos. Se você colocar um produto diferente, o grampo vai rejeitar. Então nós tivemos que pesquisar para saber qual material que ia se adequar melhor e não provocar essa reação”, explicou, enquanto mostrava o elevador interno, que servirá a visitantes cadeirantes ou com problemas de mobilidade e uma concessão necessária à modernidade e à inclusão.

A peça foi montada especialmente para a Casa e, com exceção de pontos de fixação na parede, não está apoiada em nenhum ponto da estrutura. 

Ainda de acordo com Alexandre, a decapagem (retirada dos pisos não originais) revelou que as vigas originais de madeira estavam comprometidas e necessitariam ser substituídas. A solução foi comprar barrotes de 20cm por 20cm de maçaranduba, uma madeira das mais duras e resistentes que se conhece e substituir os antigos um a um.

O mesmo foi feito com o piso, que recebeu novas tábuas também de maçaranduba, e partes do forro, com o mesmo material. Em outras áreas da casa, o madeirame original foi substituído por pranchas de cedro rosa. As madeiras, nobres, são todas certificadas e o processo contou com o aval do próprio Inepac.

Durante a restauração, a maior dificuldade para a equipe foi retirar os barrotes podres, porque foi preciso realizar todo o escoramento da casa para que as paredes não cedessem, e depois colocar os barrotes novos, com muito peso para nivelar e estruturar as paredes.

“No salão principal que estava com piso de ardósia, achamos 10 centímetros de concreto por baixo e e mais por baixo, o piso original, em pedra. Nos locais onde era à base de barro, refizemos igual. Nas celas, retiramos as grandes lâminas de pedra, nivelamos novamente e reinstalamos. Elas não tinham mais fechaduras, tivemos que refazer todas, de São Pedro, como eram antigamente. Inclusive, os buracos por onde passavam a comida dos presos”, ressaltou o restaurador.

Nessa prospecção, mais uma descoberta. O corrimão da escada, feito em concreto, não era original. Então, a equipe o desmontou e fez uma escada flutuante para colocar no local, com barrotes de 7 metros de comprimento. Já os degraus originais foram mantidos. Outra intervenção quase artesanal ocorreu nas fechaduras das portas principais. Embora o mecanismo ainda funcionasse perfeitamente apesar do tempo, os espelhos das fechaduras estavam deteriorados. A equipe de restauração então se viu obrigada a fabricar as peças usando as originais como modelo. 

Entre as novidades, algumas prospecções feitas pela equipe ficarão como janelas para o passado. Os visitantes, por exemplo, poderão ver a cela principal, com a parede decapada em pedra original exposta e o vaso sanitário improvisado para os presos. Tais locais serão protegidos com vidro. 

“O manilhamento aqui subiu todo no braço. A gente chegava aqui e achava que a pilha de madeira não ia acabar nunca”, lembrou o encarregado e mestre de obras, Ubiratan dos Santos, falando da dificuldade no processo, delicado. 

O grupo chamado para fazer a restauração, abraçou o local com o coração. “Todo mundo pegou com afinco todos os dias, fazendo um pouco de tudo. Nosso trabalho foi feito com total segurança. Ninguém se machucou, furou o pé com um prego, que fosse. Os que chegaram serventes eu procurei ajudar, porque alguém passou isso para mim um dia, então eu acho que tinha que fazer o mesmo por ele. Todos hoje saem profissionais restauradores daqui, sabendo pintar, emassar”, afirmou Ubiratan.

Morador do Parque Nanci, Samuel Santos de 28 anos, é um deles. “Quando eu entrei aqui, trabalhava numa madeireira. Sabia o básico. Me fez repensar muita coisa relacionada à minha vida, porque foi uma reconstrução sem tirar a originalidade do que havia aqui. Fazer parte disso, foi muito gratificante. Por isso, agradeço a Deus e a eles que me deram a oportunidade de trabalhar com restauração de madeiras. Entrei como ajudante, saio daqui carpinteiro”, comemorou.

Aos 39 anos, Pablo Garcia de São Jose do Imbassaí, também atuou em todas as etapas da restauração. “Eu fui contratado como carpinteiro. Quando entrei aqui, pela primeira vez, vi um monte de madeira do lado de fora e achei que não tinha capacidade. Mas aqui é um serviço só, onde todo mundo ajuda todo mundo, uma família. Não importa onde precisa, se para massa ou pintura. Todo mundo acaba fazendo um pouco de tudo. Por isso, hoje, ver esse lugar pronto, passa um filme na minha cabeça. Aprendemos um pouco de cada coisa e o prédio está assim, tudo bonito. Foi uma vitória para todos nós”, disse emocionado.

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