Lideranças de matrizes afro lotaram o Cinema Henfil para discutir a intolerância religiosa - Foto: Michel Monteiro

Em sua segunda edição, o evento “Axé Pela Democracia”, realizado na sexta-feira (09/06), no Cinema Público Municipal Henfil pelos terreiros de candomblé e umbanda do município, com apoio da Prefeitura de Maricá, reuniu mais de 200 lideranças de matriz religiosa afro-brasileira e convidados, segundo a responsável pelo segmento de matriz afro da Coordenação de Assuntos Religiosos, Danielle Pacheco.

O grupo de atabaques Otum Axé abriu os trabalhos com ‘batidas’ para orixás e nações. Babalaôs, babalorixás, yaôs e ogãs, vestidos em seus trajes religiosos, ouviram o hino nacional. Em seguida, um filho de santo apresentou a dança ritual de Xangô, “abrindo” espiritualmente o evento. “Maricá é uma cidade aberta e tem um governo progressista, que trabalha a inclusão e não a exclusão social. Apoiamos o combate à intolerância religiosa. Esta segunda edição, pela proporção do evento está mostrando isto”, declarou o coordenador de Assuntos Religiosos, David Rezeno.

A babalorixá Rosinha de Ogum falou do significado da fita marrom, símbolo do movimento contra a intolerância religiosa em Maricá. “Pesquisamos e descobrimos que a cor marrom tem um sentido apropriado para o nosso movimento: terra, madeira, solo sagrado, respeito, experiência, união, cor da pele e outros significados que justificam plenamente nosso propósito, o de combate ao racismo e à intolerância religiosa”, disse.

Foi organizada uma mesa de debates, formada por líderes espirituais dos diversos segmentos, professores e pesquisadores. Compuseram a mesa a presidente da Rede Nacional de Africanidade (Renafro), Vilma Piedade; a professora universitária Marcia Passos; a vice-presidente da Unegro, Luciene Azevedo; os babalorixás Alex de Ogum e Efatomi de Ogum Aussã, as babalorixás Marcia de Yemanjá; Simone de Yemanjá, e a yalorixá Marcia de Oxaguiã, entre outros, que saudaram a plateia com palavras ritualísticas em yorubá, gêge, nagô e de outras ‘nações’.

A primeira a falar foi a presidente da Renafro e professora de Língua Portuguesa, Vilma Piedade. “A língua é a base de comunicação entre os seres humanos. A língua das nações africanas e seus dialetos foram proibidos oficialmente no novo mundo pelo colonizador branco. Eram faladas apenas nas senzalas, o que provocou isolamento mas também sentido de união entre os iguais”, descreveu. “A dor dos castigos físicos e a exclusão social criaram um sentimento que chamo de ‘doloridade’, que não é só o ‘banzo’ dos tumbeiros e das senzalas. A estas se acrescentou, séculos depois, a invisibilidade social, que produz também a exclusão social”, continuou. Ainda de acordo com Vilma, para combater a discriminação é preciso assumir as raízes. “Para uma maior conscientização das origens da africanidade. Por conta disso, as perseguições acontecem”, concluiu.

A professora universitária Marcia Passos falou da “invisibilidade” do negro na sociedade brasileira. “Pode ser atribuído nenhum valor ao que é “invisível” socialmente, o que gera a ideologia da supremacia racial branca. Embora tenha sido o negro que construiu o Brasil com o trabalho escravo, tais evidências não são reconhecidas diariamente pela sociedade branca. Devido ao racismo, as oportunidades sócio-econômicas são muito reduzidas, enquanto aumentam as estatísticas anuais de morte contra jovens negros, mulheres negras, a intolerância religiosa, e outras formas de violência. Temos de nos unir e organizar em torno do que é nossa ‘doloridade’, do que é legitimamente nosso, valorizar nosso patrimônio cultural e imaterial, que é riquíssimo”, afirmou.

Luciene Menezes, vice-presidente da Unegro, falou também sobre ‘doloridade’. “Vou aproveitar o gancho desta palavra, que continua atual e atuante, nos “autos de resistência” dados como justificativa para os jovens negros mortos diariamente no país, na violência contra a mulher negra, contra os homossexuais, e o racismo nas escolas, faculdades, repartições e instituições, além da intolerância às religiões de matriz africana. Precisamos conhecer melhor nossas raízes e manifestações culturais, praticá-los. Só assumindo nossa posição como indivíduos politizados, teremos vez e voz no coletivo. Maricá está dando um grande exemplo de avanço, ao promover este encontro, que terá sua terceira edição em novembro deste ano”, completou.

Renata de Yemonjá, da Juventude do Axé, questionou se existem muitos jovens nos terreiros, e se os mesmos têm consciência de seus direitos e deveres, e se são empoderados no universo das religiões afro. “É importante que os jovens conheçam os fundamentos de sua culturais e religiosos, para defendê-los em sociedade. Apesar de jovem, já passei por muito preconceito, mas procurei conhecimento jurídico para me defender da discriminação. É o que todos devemos fazer”, concluiu. Já Marcia de Oxum, diretora do primeiro curso gratuito de Teologia de Umbanda em Maricá, falou sobre a necessidade do aprendizado: “O curso é promovido pela Prefeitura, é gratuito e está com inscrições abertas. Trata-se de uma grande oportunidade de conhecer os fundamentos das religiões, além da cultura das nações e seus afro-descendentes, espalhados mundo afora pela diáspora. Em nosso universo, a terra é a grande mãe, e os orixás nossos deuses. O conhecimento ajuda a combater preconceitos e conceitos que pertencem a outras religiões”, definiu.

O aposentado Carlos Alberto Silveira da Silva, 52, morador no Boqueirão, umbandista, levou a neta Kauane, de 4 anos, vestida de branco, para acompanhar o evento. “É bom que ela conheça desde cedo nossa cultura e religião, e esse evento é muito importante para isso. Na tenda onde sirvo, no Boqueirão, temos um trabalho religioso, mas também social, com uma oficina de Reiki que atende duas vezes na semana, gratuitamente, pessoas da comunidade”, enfatizou. O ogã do grupo de atabaques Otum Axé, Romeu Wilson de Araújo, 20 anos, estava com a filha Julia, de 2 anos, e a esposa Dovana de Oxossi, 20. “Tudo que foi apresentado aqui é importante para divulgar nossa cultura. A Prefeitura está de parabéns”, finalizou. Participaram do evento o secretário de Participação Popular, Direitos Humanos e Mulher, João Carlos de Lima e a secretária de Cultura Andréa Cunha, além da coordenadora municipal de Políticas para a Juventude, Mariana Mello. Para inscrições no curso de Teologia, procurar a Coordenação de Assuntos Religiosos pelo telefone 2637-2052 ou 2637-2053.

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