Lúcia Velloso abordou o tema da ditadura no período em que esteve presa, de 1971 a 1974 - Foto: Michel Monteiro

“A luta das mulheres durante a ditadura” foi o tema do aulão do curso de Direitos Humanos realizado no último sábado, 08/04, no CEU (Mumbuca), com os alunos dos polos do Centro, de Inoã e da Mumbuca. A palestra teve como base a autobiografia “Cacos de Sonhos”, da professora de pedagogia da Uerj, Lúcia Velloso, que incluiu em seu livro as cartas que escreveu entre 1971 e 1974, durante a ditadura, quando esteve presa na Vila Militar.

Segundo Leidiane Macambira, professora da Casa Digital, com a palestra os docentes buscavam valorizar o diálogo e a troca de conhecimento baseados na interpretação feminina sobre a ditadura. “Dentro do curso temos a discussão de movimentos sociais, direitos e democracia. Mas invés de trazer pelos livros, resolvemos trazer as pessoas que viveram isso. Ainda mais que a história é sempre contada por homens. As mulheres também têm que ter voz”, disse Leidiane.

De classe média alta, filha de um militar e uma pedadoga autoritária, Lúcia se apaixonou aos 17 anos e, ao lado do amado, entrou de cabeça no movimento estudantil, vivendo amor e política em excesso na busca por uma nova maneira de viver. Seus pais acharam que estava louca e a internaram numa clínica psiquiátrica, onde perdeu a memória após o tratamento com eletrochoques. “Vivíamos sob uma ditadura retrógrada e reacionária. Contra a resistência armada, caímos na clandestinidade, nos vinculamos a uma organização de esquerda vivendo a angústia das perseguições, o amor exacerbado da juventude e a sensação de que estávamos dando o nosso melhor. A gente brigava para que as pessoas coletivamente tivessem mais direitos. Acabamos presos. Eu tinha 19 anos e meu companheiro, 20”, recordou.

Por achar que os livros da época faziam análise sobre o tema ou acabavam se tornando aventura, faltando um ponto de vista feminino sobre o que foi vivenciado na época, reuniu as cartas que escreveu sobre tudo o que aconteceu nos três anos em que viveu numa cela. “As cartas eram a minha vida com intenso sofrimento e coisas que depois eu me envergonhava por ter escrito, de tão ridículas que eram. As minhas cartas eram para gente de dentro da prisão, como o Alex, com quem acabei me casando na prisão e para gente de fora (meus familiares ou pessoas que haviam estado presas comigo). Nada disso foi escrito por mim hoje com mais de 60 anos falando sobre 40 anos atrás. Era daquela época com todas as bobagens e incertezas”, analisou.

Perguntada sobre tortura, a professora respondeu: “Eu não falo sobre tortura porque esse não era o meu foco. Mas é claro que todo mundo era torturado. Eu fui presa na época da geladeira, uma forma de tortura que vem da Inglaterra em que a cela é completamente calafetada, toda preta, com um lugar que acendia uma luz ou não e temperatura muito baixa. Teve gente que morreu de claustrofobia”, explicou.

Professor do CEM Joana Benedicta Rangel e historiador de formação, Bruno Machado falou sobre violação de direitos e regressão. “A gente vive um momento de destruição das estruturas democráticas com o aumento da violação dos direitos humanos e ouvir de uma pessoa que passou pela pior experiência que qualquer regressão é uma sandice, dá um calor no coração. É isso que a gente tenta fazer no curso o tempo todo. Não existem motivos para se violar direitos. E ela é erudita, fala de reforma, o que é muito bom para os alunos”, ponderou.

Aluna do mesmo polo, Tania Volino (54) mostrava-se atenta durante toda a palestra, na ansiedade de saber um pouco mais. “A partir do momento em que o curso lida com direitos humanos, ouvir história de relatos de pessoas que passaram por experiências em que esses direitos não foram respeitados é muito importante. Até porque há muitos jovens que nem imaginam o que essa época foi de verdade”, avaliou.

Segundo a professora Leidiane Macambira, a palestra faz parte do módulo 3 do curso, que termina em maio, com um total de 80 horas/aula. As inscrições para a nova turma acontecem na mesma época.

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