Comissão da Verdade sobre Escravidão Negra no Brasil realiza fórum no CEU

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A Comissão Nacional da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil, órgão instituído pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), realizou na última sexta-feira (09/10), no Centro de Artes e Esportes Unificado (CEU), encontro para debater a história da escravatura negra no país, suas consequências e reminiscências em todo território nacional. O fórum, o sexto realizado no estado, foi coordenado pelo ex-presidente do Sindpetro e diretor da Comissão, Cesário Vianna, pelo produtor cultural Wavá de Carvalho e pela arquiteta e urbanista Renata Gama. Foram discutidos aspectos sócio-econômicos-sociais do africano como mão-de-obra escrava durante os séculos XVI a XIX, e dos rumos tomados pelos libertos e afrodescendentes após a abolição da escravidão no Brasil.

Segundo a Comissão, a data reconhecida como a da verdadeira manifestação de liberdade do negro no país foi a de agosto de 1910, quando eclodiu a "Revolta da Chibata". O motim foi liderado pelo marinheiro João Cândido, que passou a ser chamado por seus pares, de Almirante Negro, por ter obrigado o governo a aceitar – sob a mira dos canhões de navios tomados por ele – as condições impostas pela marujada, de abolição dos castigos corporais na Marinha de Guerra do Brasil.

De acordo com Cesário Vianna, o escravo africano foi o sustentáculo dos três principais ciclos econômicos do Brasil Colônia e Vice-Reino: do açúcar, da mineração e do café. Os movimentos pró-libertação do negro escravo, como a revolta de Zumbi dos Palmares, a Revolta dos Malês na Bahia, a de Manoel Congo no Estado do Rio, e outros, serviram de preparação para o fim da escravatura, oficialmente imposta pela Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel. Ainda segundo Vianna, a medida atendeu a interesses da Inglaterra, então credor do Brasil, que precisava vender máquinas ao país. Declarada a abolição, a escravidão ainda perdurou. "Onde a máquina demorou a entrar, o braço escravo continuou", comentou.

Cesário relatou ainda que os negros libertos e seus descendentes ficaram ociosos, sem preparo para sobreviver na cidade, pobres em sua maioria. Formaram-se as favelas, aumentou o desemprego e a discriminação, em substituição à escravidão e ao açoite. O diretor da comissão afirma que o Estado brasileiro, em primeiro lugar, e a Igreja Católica, em segundo, foram os principais algozes desse contingente. "A Matriz católica de Nova Iguaçu, por exemplo, foi fundada para combater os terreiros locais de candomblé que funcionavam como quilombos de resistência à escravidão, através da cultura negra. A Comissão da Verdade busca esclarecer estes fatos e levantar outros", avalia. "Precisamos da ajuda dos municípios neste levantamento, e, se todos contribuírem com a Comissão, é provável que iremos escrever uma nova história do Brasil. No dia 9 de novembro vamos entregar o relatório à Comissão Nacional, em Brasília, para apreciação da Casa Civil da Presidência da República", disse.

A arquiteta Renata Gama citou fatos históricos como a passagem da Princesa Isabel e sua comitiva pela Fazenda do Pilar, em Maricá, onde existia um bom número de escravos trabalhando na agricultura. Também lembrou que o abolicionista Joaquim Nabuco era genro do Barão de Inoã, escravocrata. Informou que Maricá possuiu seis quilombos (um deles na Fazenda Cassorotiba), que atuaram em épocas diversas, pela libertação da escravatura. "Infelizmente, os documentos de compra e venda de escravos estão mal conservados e se desfazendo, assim como os mapas da época com a localização dos quilombos e outros. Temos mais história oral do que escrita. Nem todos os africanos sabiam escrever. Por isto, é mais difícil apurar os fatos, pois só existe a versão do colonizador", comentou.

Experiências

Na fase de debates, surgiram novas informações, como a presença de resquícios de senzalas na fazenda de Itaocaia (visitada por Charles Darwin em 1832). O ex-vereador, ex-secretário e atual presidente do Conselho Municipal da Igualdade Racial de Tanguá, Elias dos Santos Nunes, observou que sofreu preconceito quando atuou no Legislativo da cidade. "Colegas vereadores, negros como eu, não assumiam sua condição racial e me discriminavam quando defendia nossa cultura", comentou. O sindicalista Cliveraldo Campos comentou que é difícil encontrar negros no primeiro escalão dos poderes da República. "Não se vê negros liderando indústrias, tribunais, ministérios, governos estaduais. São exceções", comentou. "Ainda existem casas de farinha, movidas a lenha, no Alto do Camburi, tocadas por famílias negras. Parece que o brasileiro tem vergonha do seu passado", criticou o subsecretário municipal adjunto de Habitação, Sérgio Mesquita.

Para finalizar, o subsecretário municipal adjunto de Assuntos Religiosos, Antonio Marreiros, babalorixá e presidente da Fundação de Orientação Religiosa de Matrizes Africanas (Forma), disse que é preciso lembrar diariamente da importância da contribuição do negro africano para a formação cultural brasileira. "O negro, além de ter construído o país com o braço escravo, influi até hoje na culinária, no vestuário, na música, na dança, na religião, e isso deve ser lembrado não só nos livros, mas principalmente na vida cotidiana. Os direitos são iguais para todos e os negros devem assumir sua identidade e terem orgulho disso", disse. 

A Comissão Nacional sobre a Escravidão Negra no Brasil considera a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU), como base de seus estatutos: "Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que todo o homem tem todos os direitos estabelecidos na mesma, sem distinção de qualquer espécie, principalmente de raça, cor ou origem nacional".